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Blog criado pelo 7 Ano A do Colegio Resgate Brotas SSA, com intuito de incluir a leitura na vida das pessoas.
segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Conto:Curta Metragem#05
Júlia sorria ao receber o troco. Felipe sempre com um olhar confuso, não disse nada e a seguiu para a pracinha, velha conhecida de Felipe, em frente ao restaurante.
— Você é estranha — disse Felipe a Júlia entre uma garfada e outra.
— Isso me lembra Donnie Darko, já assistiu?
— É difícil para você responder uma pergunta sem mudar de assunto?
— Você acabou de fazer isso e fala de mim.
O silêncio reinou por cerca de um minuto. Felipe foi pego pela própria acusação. Júlia desatou a rir.
— É... me pegou nessa...
Ambos gargalharam até que ela tirou um cigarro do bolso e colocou na boca, já preparada para acender. O rosto de Felipe se contraiu instantaneamente, com uma expressão de desgosto ao ver que sua “namorada” fumava. Ele se sentiu traído sem nenhum motivo concreto, somente por ela estar fazendo algo que ele reprova arduamente. Em um momento calmo poderia até se considerar egoísta por agir dessa forma, ainda mais com alguém com quem ele se importa, mesmo tendo entrado na sua vida recentemente. Júlia percebeu o olhar repreendedor e tirou o cigarro da boca, até corando um pouco.
— Se importa? — ela perguntou.
— Sim, me importo! — retrucou Felipe de um modo bastante grosseiro.
Ela não respondeu, apenas desviou o olhar como se não aguentasse encará-lo nos olhos, exatamente como uma criança fica após ser repreendida pelo pai por ter feito algo errado. Só que ela não tinha feito nada errado, e mesmo assim se sentiu mal; até a comida parecia ter um gosto diferente depois da cena.
Um passáro começou a piar perto dos dois, que comiam enquanto ficavam perdidos em pensamentos, sem trocar palavras, cada um no seu mundinho particular. Uma mulher correndo com roupas apertadas passou em frente a eles. Era a mesma do dia anterior, mas dessa vez ela deu um sorriso e logo desviou, rindo um pouco e seguindo para mais uma volta na praça. Se Júlia percebeu, não ligou nem um pouco, estava bem triste com a grosseria de Felipe, talvez até com um pouco de raiva, e deixava isso transparecer propositadamente na esperança de ganhar atenção e receber um pedido de desculpas. Pelo menos a parte da atenção ela conseguiu. Felipe olhava periodicamente para o rosto de Júlia e a fitava por alguns segundos, e a cada vez que fazia isso sua consciência pesava mais, chegando a um ponto que começava a corroê-lo por dentro e as palavras subiam pela sua boca, ficando na ponta da língua só esperando o momento de serem expelidas. Mas chegaram todas desorganizadas e ele não soube se expressar; balbuciou alguma coisa e travou de súbito. Júlia nem sequer o olhou. Ele encheu o peito e tomou coragem.
— Desculpa...
— O quê? Não ouvi direito!
— Desculpa... fui grosso... não devia... — Felipe tropeçava nas palavras.
— E quer que eu te desculpe por isso?
— Quero!... é que não... não fumo, não gosto de cigarro...
— Mas eu gosto! Quanto a te desculpar... já desculpei antes mesmo de você falar o que falou.
úlia sorriu ao fim da frase dita, e, sem pensar duas vezes, pegou na mão de Felipe, arranhando-a levemente. Ele não conseguia entender como ela poderia ser uma pessoa tão diferente de todas que já havia conhecido. Primeiro a cena do dia anterior, que ela ignorou totalmente o fato de que ele tem câncer; depois ela pagou toda a conta sem nem pensar duas vezes, como se fosse a coisa mais normal do mundo tamanha efemeridade, e agora o perdoou tão rápido, mesmo não tendo parte nenhuma na briga. Agora ela parecia para ele como um ser superior, evoluído, com muito mais experiência de vida, quem sabe. “Como pode? Preciso dela... tenho muito que aprender com ela... aproveitar cada minuto que restar com ela”, pensou.
Todos os pensamentos voaram pela cabeça dele em poucos segundos, tornando aquele momento divagatório quase instantâneo. Sem medo, sem hesitação, sem pensar sem dizer nada, ele a beijou. A beijou como se fosse o último dia da sua vida, como se aquele fosse o último beijo que daria em alguém.
Os dias com Júlia eram todos diferentes, sem exceção. Ela era para Felipe como um livro enorme, talvez até sem fim, onde o aprendizado já havia virado rotina. E por mais simples que ela fosse nos gestos e palavras, por mais sorumbático que fosse seu jeito de expressar, mostrava ser uma pessoa inexplicável, indefinível e aberta a novas experiências, totalmente o oposto de Felipe há alguns dias. Mas isso havia mudado; ela o havia mudado, agora estava servindo como um mestre para ele, e com isso, cada dia mais aumentava uma certeza nele: “essa mulher foi feita para mim.”
Os dias começavam a tomar formas mais nítidas para Felipe. As manhãs pareciam nascer sempre mais belas e o ânimo dentro dele sempre era maior. Agora tinha um propósito para sair de casa, e não mais aquela ideia de “viver só por viver”. Consequentemente, uma ideia ia brotando na sua cabeça, um pensamento muito abstrato que ia crescento exponencialmente, simples e discreto: a vontade de viver, que podia ser resumida em uma palavra: Júlia.
— Como anda o namoro? — indagou Júlio a Felipe, durante uma das aulas em que o segundo ficava observando os passáros.
— Vai bem... — respondeu Felipe sem nem ao menos olhar para o amigo.
— Vai mesmo? Você parece estar tão distante hoje.
— O namoro vai bem, mas eu não...
Júlio não soube o que falar e esperou que o outro completasse.
— Sabe cara... — continuou Felipe. — Eu queria viver mais; acho que o tempo aqui é muito curto, não só o meu, mas o de todos. Venho pensando muito nisso ultimamente, e não importa qual seja a minha religião, ou se não haja religião, eu queria ter mais tempo aqui. Se você pensar em cristianismo, vem o paraíso, mas não sei se é isso que eu quero, não sei se quero minha absolvição e minha vida eterna em algum lugar “melhor” que aqui. Pensando em espiritismo, vem outras vidas, sendo que você não se lembrará da vida anterior, então de que adianta viver? Entende? Seja qual for o pensamento que você tenha sobre vida e morte, você acaba tendendo pro lado de viver, aproveitar o tempo que tem, as pessoas que estão ao seu redor, e tudo acaba fazendo sentido. Viver faz sentido. Não quero morrer! Não agora, que consigo enchergar o mundo, e não somente vê-lo; não agora que tenho uma namorada que me ensina coisas novas a cada dia; não agora que quero ter esperança de viver, de que consiga acordar amanhã, de que possa mais um dia olhar a natureza pela minha janela e depois sair por aí interagindo com tudo. Você me entende?
— Você tá bem? Por que fala tanto em vida e morte? Você ainda vai viver mais uns oitenta anos, cara! Pra que pensar tanto em uma coisa que é inevitável e que vai demorar tanto pra acontecer?
Júlio agora parecia preocupado com o amigo, e mesmo com a frase dita, não acreditava nem em metade dela. Ele sempre havia desconfiado de que havia algo errado com Felipe, algum tipo de doença ou problemas pessoais, com tudo que o outro apresentava de diferente no comportamento, na mudança de hábitos e de pessoas com quem andava, porque de poupular, Felpe passou a ser um excluído, e de radiante, passou a ser sombrio.
— Você apenas escuta, mas não ouve nada do que eu digo! — continuou Felipe um pouco alterado, mas voltou a manter o tom baixo por estar em aula. — E se amanhã você já não estiver mais aqui? Se houver algum acidente? É isso que eu quero dizer — ele só falava por falar, desviando do assunto que ele sabia que Júlio queria investigar. — Você já viveu quase vinte e cinco porcento de toda a sua vida... acha isso muito tempo? Acha que já viveu o suficiente? Ou acha que mais três pedaços de tempo como esse que já viveu, o fariam se satisfazer? Encheriam seu peito de orgulho, por ter alcançado o tempo necessário para “namorar, casar, ter filhos, se aposentar, ter netos e morrer velhinho numa casa de campo”? — a frase foi dita numa maneira jocosa, até palhaça, por assim dizer; uma das coisas que Felipe mais adorava fazer: ser sarcástico, mas não por querer, apenas saia dele sem nem perceber. — O que você tem que entender é que as pessoas vivem para morrer! Todos nas suas vidinhas pacatas, seguindo a “estrada da vida” de acordo com todos os outros, pisando sempre dentro das linhas e achando que por isso são pessoas de bem e felizardas. “Eh ô, vida de gado, povo marcado, ê povo feliz”. É isso que você pensa de si? Que por agir sempre na linha e de vez em quando pular fora dela pra protestar contra algum político no twitter, ou contra a homofobia... que isso tudo vai te fazer uma pessoa melhor?
Júlio não respondeu. Fez-se quase um minuto de silêncio, enquanto Felipe parecia calcular o que dizer a seguir, para finalizar aquela conversa.
— O negócio é o seguint, Júlio: Você nasce, vive e morre. O que você faz entre o primeiro e o último é o que define quem é você. Suas ações durante sua vida vão dizer se você é apenas mais um piolho na sociedade ou se é alguém que veio pra mudar alguma coisa. E não estou dizendo que eu vim pra mudar, que eu vou lutar contra o sistema, que vou fazer e acontecer. Não! Não vou fazer nada disso. Sou assim como você, vivo com meu ideal de estudar pra passar no vestibular, pegar um diploma pra ser alguém na vida, casar, ter filhos e morrer velhinho na beira da praia, deixando de herança uma miséria que consegui juntar durante toda a minha vida. A miséria que será suficiente para cuidar de uma família por quem sabe... cem anos? Enfim, eu sou só mais um, como você, como todos nessa sala, que pensam em fazer uma revolução sem tirar a bunda da cadeira, só xingando muito no meu twitter! Só que tem um problema em tudo isso cara, o problema é que eu vou morrer em menos de um mês!
Súbito, levantou-se com a mochila nas costas e saiu da sala. O professor olhou, fez que não viu e continuou sua aula.
A porta da sala número duzentos e oito se abriu repentinamente e com força, interrompendo uma aula tediante de física. O professor olhou para o garoto que havia entrado sem saber o que dizer, até meio pasmo, nunca tinha enfrentado situação parecida. Mas foi breve, tão breve que depois, ao relembrar da cena, não pode descrever exatamente o que tinha acontecido.
Felipe parou em frente a outros cinquenta alunos e percorreu os olhos por toda a sala até encontrar Júlia. Ela não se assustou, sabia exatamente o que fazer. Súbito, sorriu largamente e levantou-se apressada, pegando o caderno e a bolsa. Passou pelo professor, piscou sorrateiramente e saiu junto com Felipe para algum lugar que nenhum dos dois tinha ideia de onde seria, apenas sabiam que deviam sair, fugir, correr, e ambos estavam felizes com aquilo. O professor gritou alguma coisa, inutilmente. Na verdade ele mesmo queria interromper aquele momento peculiar, queria primeiro entender, mas já era tarde demais para isso.
Os dois corriam de mãos dadas, com vozes gritando por onde eles passavam, pessoas fitando-os do ponto onde eles apareciam até o ponto que eles sumiam de vista. Alunos, professores, funcionários, seguranças... todos faziam exatamente o mesmo: olhavam de longe os dois corredores; viam eles passarem; tentavam entender o que se passava; piscavam algumas vezes, procurando descobrir se aquilo era real ou não, se uma fuga de alunos alucinados era uma coisa que estava acontecendo ou se era algum tipo de miragem; então, gritavam algumas palavras de “parem”, ou “voltem aqui”, ou apenas um “ei”. Resumindo, ninguém podia impedi-los de fazer aquilo; e, pela primeira vez, Felipe sentiu-se livre, vivo, e toda a sua vida agora tinha uma razão.
Continua...
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